26 Março 2024
A professora Susanna Terracini, cientista de renome mundial e diretora do departamento de matemática na Universidade de Turim, virou notícia por seu voto contra a moção do conselho acadêmico de sua universidade que previa a suspensão de um edital de pesquisa com as academias israelenses. Responde ao Il manifesto de Helsinque, onde participa de um encontro da Sociedade Europeia de Matemática.
A entrevista é Luciana Cimino, publicada por Il manifesto, 24-03-2024.
Como está aí?
Não dá para ficar entediada, aqui também há matemáticos ucranianos pedindo a expulsão dos russos e eu entrei na briga.
Também dois anos atrás, no início da guerra na Ucrânia, você tinha assumido publicamente uma posição contra o boicote aos cientistas russos, mas não tinha havido esse clamor. Como viu as posições da imprensa?
Não estou acostumada com esse turbilhão midiático. Não me surpreendem os títulos enganosos, mas faço questão de esclarecer que não houve nenhuma irrupção dos coletivos: as reuniões do conselho acadêmico acontecem em uma sala cuja porta nunca está fechada, qualquer pessoa pode entrar. Aconteceu várias vezes que os estudantes trouxessem as suas reivindicações. Também no último dia 19 de março fizeram uma declaração e em seguida saíram de maneira civilizada. Houve uma conversa normal respeitando as diferentes funções. E não houve pressão alguma de parte deles: todos os colegas, que estimo, trabalharam sem qualquer indicação.
A moção aprovada declara que “a participação no edital do Mae não é apropriada dada a continuação da situação de guerra em Gaza”. Por que você votou contra?
Em princípio sou contra o bloqueio das colaborações científicas em caso de conflitos. As ciências têm uma dimensão de valor universal que é o conhecimento desinteressado para além de cada fronteira. Na comunidade científica é mais fácil reconhecer-se e compreender as razões dos outros.
A UniTo explicou que se trata da suspensão apenas desse edital, que para vários membros da comunidade acadêmica, bem como para os estudantes, pode ser usado para desenvolver tecnologias militares, mas que as colaborações com Israel permanecem intactas.
Vamos desmontar um cliché: não é verdade que a pesquisa científica sempre tem um propósito bélico e que os cientistas são aquiescentes. Depois disso, fica claro que também a água, como qualquer coisa, pode ser usada para fins bélicos, como vemos hoje em Gaza. Se os temas do edital tivessem sido sobre a lógica matemática ou sobre a paleontologia, talvez tivéssemos 100% de certeza de que a pesquisa nunca seria usada como arma. Mas pergunto: o desenvolvimento de uma tecnologia que possa ser imediatamente utilizável na guerra pode passar por um edital aberto a todos?
Você gostaria que o assunto tivesse sido encaminhado de forma diferente?
Talvez o conselho acadêmico devesse ter se pronunciado primeiro sobre a questão, independentemente dos estudantes, e estendido aos fóruns apropriados, como a presidência do Conselho, o forte pedido de cessar-fogo, de ajudas humanitárias e de negociações de paz. Não sou especialista na questão israelense-palestina, sou uma professora de matemática. Teve o 7 de outubro, mas esse conflito tem raízes antigas e eu gostaria de lutar contra os clichés venenosos que semeiam o ódio e tornam todas as guerras insolúveis. Teria sido útil uma ação do ministério em favor da hospitalidade de colegas e estudantes palestinos e israelenses.
Neste momento já não existem mais as universidades em Gaza, foram arrasadas.
O uso da fome e da privação dos elementos fundamentais à vida, como os medicamentos, é aberrante. Por isso insisto em dizer que é dever da comunidade acadêmica não interromper nenhum canal de comunicação e, aliás, encontrar outros: se queremos construir a paz devemos tecer relações de humanidade mesmo quando o contexto é desumano. Gustavo Colonnetti, ex-reitor do Politécnico, antifascista, enquanto estava exilado no campo de refugiados de Lausanne criou uma universidade para outros fugitivos do regime. A história mostra que criar condições para que se possa estudar e discutir é necessário mesmo nas situações mais dramáticas.
Você é parente de Umberto Terracini, comunista e pai da Constituição.
Ele é um primo distante, tenho muito orgulho disso. É uma pena não poder pedir-lhe uma luz hoje em dia.
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“Eu gostaria de lutar contra os clichês venenosos que semeiam o ódio”. Entrevista com Susanna Terracini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU